Tradicionalmente, os frutos se desenvolvem melhor no Sul do Brasil, mas produtores mineiros estão conseguindo uvas com qualidade. Além disso, a aposta no turismo atrai admiradores em busca de novas experiências gastronômicas.
Por Gabriel Bonfim, Guilherme Gonçalves, Mariana Dias, g1 Triângulo — Uberaba
02/06/2024 10h24 Atualizado há uma semana
Se perguntarmos para qualquer brasileiro de onde vem os vinhos produzidos no país, talvez, a maioria responda por instinto: do Sul. A resposta não está errada, já que a região é responsável por produzir 50% da uva brasileira, principalmente, para a produção de vinhos.
E o tamanho da produção sulista não é por acaso. Tradicionalmente, as uvas se desenvolvem bem em regiões de clima temperado, ou seja, áreas onde a primavera, o verão, o outono e o inverno são bem definidos no decorrer do ano, como é o caso dos estados mais ao sul.
Localizado mais ao centro do Brasil e já no cerrado, o Triângulo Mineiro tinha tudo para sequer ser considerado produtor de uvas viníferas. Tinha.
“O clima no Triângulo tem duas estações muito bem definidas, uma seca e uma chuvosa. Já a umidade relativa do ar muda, no outono e no inverno, durante vários dias seguidos varia entre 12% e 13% por várias horas, sendo um dos locais com o menor índice de umidade", disse o climatologista Ruibran dos Reis.
Em climas mais quentes, como é o caso de Minas Gerais, a videira tende a produzir frutos o ano inteiro, porém, com baixa rentabilidade. No entanto, graças à tecnologia, análise de dados e técnica, a região antes predominada pelo café, soja e gado, também dá espaço para pelo menos uma etapa da produção.
“O Sul era o maior produtor de vinhos das chamadas castas nobres, mas hoje nós temos no Triângulo e o Alto Paranaíba muitos produtores investindo em uvas Vitis viníferas, que estão sendo adaptadas para a região com excelente qualidade para a produção de vinhos”, afirmou a professor de Engenharia Química da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Libia Diniz Santos.
Tecnologia
Tecnologia auxilia nos processos de escolha, plantio, produção e colheita das uvas no Triângulo Mineiro. — Foto: TV Integração/Reprodução
Em 2021, um projeto começou a dar resultados em Uberaba. No entanto, a escolha da cidade começou um tempo antes. E graças à tecnologia.
A cidade foi escolhida para abrigar 15 hectares – equivalentes a 21 campos de futebol – de uvas viníferas depois que medidores de temperatura do ambiente e da umidade do solo foram instalados.
Os resultados analisados apontaram uma grande amplitude térmica, ou seja, as temperaturas máximas registradas oscilavam muito em relação às mínimas, aliada à altitude de cerca de 800 metros acima do nível do mar. Além disso, foi constatado que o solo arenoso da região ajudava no desenvolvimento das parreiras.
"Durante a primavera e o verão as temperaturas se aproximam dos 40 °C durante o dia, mas na madrugada a mínima baixa para 22 °C ou 23 °C. No outono e no inverno, a massa de ar polar vinda da Argentina deixa as temperaturas baixas, principalmente, durante as madrugadas, podendo chegar a ficar abaixo de 0 °C, com ocorrência de geadas no Alto Paranaíba e em Uberaba e Uberlândia, por exemplo", explicou Ruibran do Reis.
A tecnologia, porém, não foi usada apenas para definir a cidade para plantação. Ela é utilizada constantemente para manutenção dos padrões de qualidade.
“Os medidores me dão as informações em tempo real de onde eu estiver. Consigo acessar tudo pelo celular”, disse o engenheiro agrônomo da vinícola Arpuro, Paulo Marega.
Análise
Quinze hectares de fazenda em Uberaba produzem uvas para a produção dos vinhos brancos, rosés e tintos da Arpuro. — Foto: TV Integração/Reprodução
A fazenda planta 11 variedades de uvas, que produzem vinhos brancos, rosés e tintos. Os cuidados com todas elas são os mesmos, mudando apenas o tempo com que cada uma é colhida, conforme cada variedade.
Como dito, todo o processo de produção da uva é monitorado, mas antes da colheita, a última análise.
“Um dia antes da colheita, o enólogo vem e faz a análise da acidez e açúcares da uva. Após a colheita, ela vai direto para a vinícola”, explicou Marega.
E se as análises garantem a qualidade das uvas, as características da região garantem sabores únicos aos vinhos.
“O clima, o solo, todas as condições interferem nos sabores dos vinhos. Então, os vinhos do Cerrado têm uma característica própria, única, que tem agradado o paladar e análises sensoriais dos sommeliers de vinhos que estão degustando e classificando os vinhos”, pontou Libia Diniz.
E se grandes produtores conseguem desenvolver pesquisas por conta própria, a UFU auxilia pequenos produtores na busca pela qualidade dos frutos.
“A UFU desenvolve pesquisas junto a esses produtores para buscar respostas para o comportamento dessas uvas, da qualidade dos frutos e do vinho”, afirmou a professora.
Técnica
Diferentes vinhos produzidos pela vinícola com fazenda em Uberaba. — Foto: TV Integração/Reprodução
Além da pesquisa e análise, a técnica também é fundamental na produção de uvas no cerrado mineiro. De acordo com a professora da UFU, uma delas é a dupla poda.
“Para que fosse possível a produção de uvas Vitis viníferas na região, foi desenvolvida a técnica chamada dupla poda, que permite a colheita da uva nos meses mais secos e mais frios, entre julho e agosto. Assim, é possível colher os frutos em um clima mais frio, sem chuvas e com alta qualidade. Hoje temos a produção das uvas syrah, cabernet sauvignon blanc, marselan e outras castas que antes não eram produzidas na região”, afirmou.
Na Arpuro, a poda é feita após a colheita e a planta volta a produzir depois de um ano. Cada hectare plantado rende até mil litros de vinho.
Enoturismo
Casal visita a fazenda em Uberaba, onde conhece o processo de produção e tem experiência de harmornização de vinhos com a culinária mineira. — Foto: TV Integração/Reprodução
Apesar de as uvas produzidas em Uberaba se transformarem em vinho em Caldas, no Sul de Minas, a fazenda se tornou ponto turístico. O processo de produção das videiras e a experiência com o vinho atrai turistas de vários locais do Brasil.
Na fazenda, o cheiro da uva se mistura com o perfume de 1.200 rosas que abraçam o vinhedo. Ali, olfato e visão são instigados pelo passeio entre as plantas.
Porém, é em outra área que a experiência fica completa. Harmonizados com os vinhos fabricados pela empresa, os turistas têm uma experiência gastronômica completa.
Segundo a sommelier Cristiane Marega, os pratos servidos são pensados especialmente para cada tipo de vinho, mas sem esquecer da “mineiridade”. E nada mais mineiro que o pão de queijo, servido com pernil de porco.
“A gente quer que o visitante venha até a nossa casa e tenha uma experiência completa. Ele vai passar pelo vinhedo, conhecer todas as variedades que plantamos e criar a experiência com a degustação ao pôr do sol, pois é algo inusitado por estarmos no cerrado, com temperatura diferente, o que faz as pessoas se interessarem no porquê e em como isso acontece no Triângulo Mineiro”, finalizou a sommelier.
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